sexta-feira, 16 de maio de 2014

Crítica | Praia do Futuro: Muito além da polêmica

por Dáphine Ponte

Karim Aïnouz é, sem dúvida, um dos maiores expoentes do cinema nacional. O cearense de origem libanesa radicado em Brasília é conhecido por dirigir filmes como Madame Satã (2002) e O céu de Suely (2006) e escrever o roteiro de filmes como Abril despedaçado (2001) e Cinema, aspirinas e urubus (2005). Obras que fizeram com que o cinema brasileiro tenha uma nova estética.

Karim lançou este ano Praia do Futuro, uma produção alemã e brasileira, ambientada, em parte, na famosa praia de mesmo nome que existe aqui em Fortaleza. Dividida em três atos, a trama conta a história do salva-vidas Donato (Wagner Moura, A busca), um sujeito introspectivo que começa a questionar o sentido de sua vida e de seu trabalho depois não conseguir salvar o homem de um afogamento, tanto que chega a desabafar com seu irmão mais novo Ayrton (o menino Sávio Ygor Ramos) sobre como seria a sua vida caso Donato morresse ou fosse embora.

O salva-vidas se sente tão culpado por não ter conseguido salvar o homem que faz questão de avisar a Konrad (Clemens Schick, 007 – Casino Royale), piloto de motocross que era amigo ou provável amante do homem que faleceu. Donato ainda oferece uma carona para o alemão e a partir daí, os dois iniciam um caso fazendo com que o salva-vidas largue trabalho e família para viver um romance com o piloto em Berlim.

Anos depois, Ayrton (interpretado nesta fase pelo promissor Jesuíta Barbosa, Tatuagem) vai até a Alemanha atrás do irmão para uma espécie de acerto de contas. Para ele, Donato é um egoísta que sumiu no mundo sem dar satisfação à família e os largou sem dar notícias.

O que pude perceber no personagem principal é que ele demonstrava se sentir preso e sufocado com a vida que ele tinha, sofrendo com uma crise existencial. Donato se isolava ainda mais das pessoas e falava muito baixo quando alguém se dirigia a ele. Nos primeiros atos da trama, Donato parecia ainda estar buscando identificação, um lugar para se encontrar. Como se fosse um peixe fora d’água.

Pude perceber também a clara referência a elementos da cultura pop, como os letreiros colorido, a trilha sonora com a música Heroes do David Bowie para remeter às cenas que a personagem Ayrton chamava seu irmão de Aquaman, por este saber nadar e ter contato com o mar e se autodenominava Speed Racer. No anime do corredor, seu irmão mais velho, Rex Racer, tramava a própria morte para manter Speed e sua família a salvo, retornando anos depois com uma nova identidade, o Corredor X. É como se Donato fosse Rex e abandonasse a família para reencontrar Ayrton totalmente diferente.

Praia do Futuro é uma ótima trama, com uma boa fotografia, tipicamente utilizada nos filmes de Aïnouz, mas peca pelos cortes entre os atos. Há cenas em que você os personagens principais em uma certa situação e no segundo ato, já estão em outra sem ter a menor explicação de como tudo foi parar ali, fazendo com que o espectador tenha de adivinhar como aconteceu aquilo.

Praia do Futuro foi anunciado como um filme polêmico por ter cenas de sexo entre dois homens (um militar e um piloto de motocross) e muita nudez. Confesso que não vi nada demais. As cenas que mostravam Donato e Konrad juntos me pareceu mais as cenas do cotidiano de qualquer casal que está começando a ficar junto. É como o próprio ator Wagner Moura disse: “É um filme que vai além da sexualidade”. Vai muito além da sexualidade, vai além das escolhas que nós fazemos em nossas vidas, para mim, é um filme que mostra que temos de abdicar de certas coisas para resolvermos nossas vidas e ficarmos bem.



Um comentário:

  1. Parabéns pela crítica. Você parece ter entendido a mensagem real do filme, o que anda faltando em muitos críticos e expectadores.

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