Com a estética que se tornou regra nos faroestes, cortando do plano aberto direto para os close-ups, o Brasil produziu pela primeira vez o seu western, e olha que não deixaria Sergio Leone nada envergonhado.
Salvando a integridade e honrando as cinzas de Renato Russo - que estava triste por Somos Tão Jovens - com um tom até às vezes um pouco mais pesado, o publicitário René Sampaio debutando no cinema, conduz a música que já tem quase 35 anos e no mínimo três ou quatro gerações com ela na ponta da língua.
A trama gira em torno do protagonista João de Santo Cristo, com Fabrício Boliveira calando a boca de quem duvidou de sua capacidade. Boliveira como João, é assustador e convincente, trazendo o “ódio por dentro” do personagem que chama atenção por sua autoestima muito bem resolvida, atuação destacável.
Como a canção não é precisa sobre a etnia, e sim apenas preconceito por sua cor, seria fácil, e até evidente, colocar um ator mulato como herói, uma forma de atingir um público maior da nação "parda" brasileira, o que deixa o longa até mais charmoso, pois Santo Cristo me fez lembrar várias vezes o negro libertado de Tarantino, Django Unchained (2012), mas não se vinga tanto quanto eu gostaria.
O quase humorista, Felipe Abib no papel de Jeremias certas vezes parece um pouco caricato, mas ainda assim é menos forçado que Thiago Mendonça. Já Isis Valverde como Maria Lucia dá conta da personagem que leva dois homens travarem um duelo por ela, “na Ceilândia, em frente ao lote 14”, como na boa tradição dos westerns.
Sobre o ator uruguaio César Troncoso eu prefiro me abster perante a magnífica interpretação de cada segundo em que se propõe a interpretar Pablo. Desde El Baño del Papa (2007) e Infância Clandestina (2011) o cara desponta como um grandessíssimo ator. Hollywood batendo a porta, escrevam.
“Quando criança só pensava em ser bandido Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu”
Esses versos contam um pouquinho da história de cada preto ou mulato brasileiro em situação de vulnerabilidade social, e que já nascem culpados por algo que não fizeram, mas de alguma maneira, serão obrigados a fazer.
Aqui no Brasil nós não seguimos a mesma carga protestante da cultura americana que precisa de Natural Born Killers (1994) ou Bonnie and Clyde (1967) para expressar o que não temos coragem. Mas é preciso muita audácia para não se empolgar com os momentos em que Santo Cristo é um complexo anti-herói movido por um forte desejo de vingança. Violento, sim, mas justo e disposto a lutar contra o destino que lhe foi determinado. Por consequência, faz os momentos mais interessantes da trama.
É uma pena que esse lado sombrio e cheio de "calibres" - que era meu desejo prioritário - fique em segundo plano, ofuscado pelo romance entre Santo Cristo e Maria Lúcia, mas que também é legal, não ficou nada “novelizado” e infantil.
Minha dica é: assista! é o cinema nacional em plena forma, o filme que traz crítica social, também faz referências interessantes e nada forçadas à ditadura. Pena que esse tipo de filme nós vemos em pouco número na terra dos candangos, o jeito é ficar na torcida para que o cinema brasileiro produza mais faroestes e menos comédias.
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