Uma viagem detalhada e minuciosamente cuidadosa ao início
dos anos 1960. Assim podemos classificar o início desta série que, ao lado de Família Soprano (1999-2007),
revolucionou a maneira de se contar histórias seriadas sobre anti-heróis.
Ambientada numa charmosa época de um modernismo em auge, a obra busca retratar
a realidade por trás de famílias estruturadas, eletrodomésticos maravilhosos,
propagandas que celebram a vida e sonhos aparentemente alcançáveis, apresentando
cotidianos suburbanos, opressivos e machistas.
O elo entre o espectador e esse mundo contraditório situado
bem no meio do século passado, é o diretor de criação da companhia publicitária
Sterling Cooper, Don Draper, interpretado de maneira brilhante pelo até então
desconhecido Jon Hamm. Esse personagem, que dita o tom cafajeste desta
produção, surge como provocação ao americano perfeito e mascara sua covardia, medos,
mentiras e apegos, transcendendo uma persona totalmente elegante, confiável e envolta
de um charme muito próximo a estrelas, como Humphrey Bogart, Rock Hudson e
Marlon Brando.
Seu mundo é a publicidade, e Draper está para os anúncios
como Elvis para o Rock N’Roll. O mundo de Don Draper é, acima de tudo, um mundo
de mulheres, cigarros e bebidas alcoólicas, numa era em que ser secretaria já
era motivo de realização pessoal, amantes eram diversão casual necessária e
cigarros podiam ser fumados nos banheiro, trabalho, carro, cama, jantar e etc.
Mesmo deslocado em seu mundo, e talvez por isso, seja a figura menos opressora
e mais distinta de todos os outros personagens, Don transborda intensidade
melancólica e persuasão naquilo que nem ele acredita, pois também não consegue
entender o porquê de suas constantes fugas de uma vida aparentemente perfeita,
com uma grande casa, carro do ano, lindos filhos, e uma esposa sósia de Grace
Kelly. Mesmo que responda com veemência e autoridade irrefutável um ativista,
usuário de drogas que o acusa de “fabricar sonhos”, ele mesmo não acredita no
mundo que vive e que seu futuro seja bom. E esse é o grande trunfo do programa,
nada faz sentido para Draper.
Ao longo de cada capítulo, é apresentada uma nova fraqueza
do protagonista e um personagem é desenvolvido. Nesse percurso, personagens
fortes ficam fracos, e fracos tornam-se fortes, pois mesmo que o status quo da época pré-defina a área em
que cada ser, nivelado por sua classe ou gênero, deverá atuar, esses conceitos
podem se quebrar diante de humanos cada vez mais desenvolvidos, como a
secretaria Peggy, que almeja mais que redigir telegramas, o riquinho Pete, que
quer ser reconhecido por seu trabalho e não por seu sobrenome, o executivo
Roger, que quer mesmo é aproveitar os anos que lhe restam, ou mesmo sua esposa
Betty, que não se conforma com a suposta realização e felicidade que suas
vizinhas insistem em dizer que ela tem. Entretanto, há personagens, como a
secretária chefe Joan, que não é capaz de enxergar, por ora, um mundo onde não
sofreria abuso sexual e seria tratada como uma dama, ou como o magnata e dono
da empresa, Bertram Cooper, que se ilude ao pensar que é um líder sábio e
conhecedor de filosofias orientais, mas não passa de mais uma engrenagem, mesmo
que grande, de um sistema que demite e admite respeitando apenas o clima
amigável do golfe dominical. Porquê inovar se já está dando certo?
Mad Men, em
primeira instância, irrita por lançar o espectador a um mundo ainda não tão
distante de nós, onde o racismo e o machismo eram mais do que normais, e nos
envergonha por mostrar que cremos em sonhos fabricados. Apesar disso, de
episódio em episódio, ancorado pela figura imponente, sedutora e criativa de Draper,
tabus são quebrados e novas histórias de uma década precursora dos direitos
civis vão surgindo para mostrar que o sucesso pessoal e profissional dos seres
humanos não faz sentido diante de uma realidade predatória, incomum, injusta e
desregrada.
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