segunda-feira, 17 de julho de 2017

Mad Men :: Temporada 01

por Victor Hugo Furtado

Uma viagem detalhada e minuciosamente cuidadosa ao início dos anos 1960. Assim podemos classificar o início desta série que, ao lado de Família Soprano (1999-2007), revolucionou a maneira de se contar histórias seriadas sobre anti-heróis. Ambientada numa charmosa época de um modernismo em auge, a obra busca retratar a realidade por trás de famílias estruturadas, eletrodomésticos maravilhosos, propagandas que celebram a vida e sonhos aparentemente alcançáveis, apresentando cotidianos suburbanos, opressivos e machistas.

O elo entre o espectador e esse mundo contraditório situado bem no meio do século passado, é o diretor de criação da companhia publicitária Sterling Cooper, Don Draper, interpretado de maneira brilhante pelo até então desconhecido Jon Hamm. Esse personagem, que dita o tom cafajeste desta produção, surge como provocação ao americano perfeito e mascara sua covardia, medos, mentiras e apegos, transcendendo uma persona totalmente elegante, confiável e envolta de um charme muito próximo a estrelas, como Humphrey Bogart, Rock Hudson e Marlon Brando.


Seu mundo é a publicidade, e Draper está para os anúncios como Elvis para o Rock N’Roll. O mundo de Don Draper é, acima de tudo, um mundo de mulheres, cigarros e bebidas alcoólicas, numa era em que ser secretaria já era motivo de realização pessoal, amantes eram diversão casual necessária e cigarros podiam ser fumados nos banheiro, trabalho, carro, cama, jantar e etc. Mesmo deslocado em seu mundo, e talvez por isso, seja a figura menos opressora e mais distinta de todos os outros personagens, Don transborda intensidade melancólica e persuasão naquilo que nem ele acredita, pois também não consegue entender o porquê de suas constantes fugas de uma vida aparentemente perfeita, com uma grande casa, carro do ano, lindos filhos, e uma esposa sósia de Grace Kelly. Mesmo que responda com veemência e autoridade irrefutável um ativista, usuário de drogas que o acusa de “fabricar sonhos”, ele mesmo não acredita no mundo que vive e que seu futuro seja bom. E esse é o grande trunfo do programa, nada faz sentido para Draper.

Ao longo de cada capítulo, é apresentada uma nova fraqueza do protagonista e um personagem é desenvolvido. Nesse percurso, personagens fortes ficam fracos, e fracos tornam-se fortes, pois mesmo que o status quo da época pré-defina a área em que cada ser, nivelado por sua classe ou gênero, deverá atuar, esses conceitos podem se quebrar diante de humanos cada vez mais desenvolvidos, como a secretaria Peggy, que almeja mais que redigir telegramas, o riquinho Pete, que quer ser reconhecido por seu trabalho e não por seu sobrenome, o executivo Roger, que quer mesmo é aproveitar os anos que lhe restam, ou mesmo sua esposa Betty, que não se conforma com a suposta realização e felicidade que suas vizinhas insistem em dizer que ela tem. Entretanto, há personagens, como a secretária chefe Joan, que não é capaz de enxergar, por ora, um mundo onde não sofreria abuso sexual e seria tratada como uma dama, ou como o magnata e dono da empresa, Bertram Cooper, que se ilude ao pensar que é um líder sábio e conhecedor de filosofias orientais, mas não passa de mais uma engrenagem, mesmo que grande, de um sistema que demite e admite respeitando apenas o clima amigável do golfe dominical. Porquê inovar se já está dando certo?  


Mad Men, em primeira instância, irrita por lançar o espectador a um mundo ainda não tão distante de nós, onde o racismo e o machismo eram mais do que normais, e nos envergonha por mostrar que cremos em sonhos fabricados. Apesar disso, de episódio em episódio, ancorado pela figura imponente, sedutora e criativa de Draper, tabus são quebrados e novas histórias de uma década precursora dos direitos civis vão surgindo para mostrar que o sucesso pessoal e profissional dos seres humanos não faz sentido diante de uma realidade predatória, incomum, injusta e desregrada.

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