quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Crítica | Que horas ela volta?

por Victor Hugo Furtado

"Que Horas Ela Volta?" é inteligente ao propor a discussão que envolve o público com o cotidiano de sua protagonista, que surge fazendo todo tipo de serviço doméstico. Ao fim do dia, exausta, Val se deita em uma cama estreita ao lado do criado-mudo que traz a foto de sua filha e, no fim de semana, pega o ônibus para encontrar amigas na periferia enquanto espera a hora de retomar a labuta.

Trata-se, de uma daquelas relações profissionais que eram muito comuns no Brasil até há cerca de 15 anos: as famílias de classe média para cima tinham, como parte de seu núcleo, uma empregada que “dormia no trabalho” e que era “quase da família” – mas uma “quase parente” que dormia no quarto minúsculo dos fundos, almoçava depois dos patrões e que podia ser chamada a qualquer hora para limpar algo derramado ou para levar um copo de leite na cama para o patrão. Uma realidade na qual moças de 14, 15 anos eram trazidas do interior do país a fim de morar/trabalhar em regime de quase escravidão – mas uma escravidão “humanizada”, de liberais.

A Val é neste sentido, mais do que uma personagem, mas um símbolo de uma época, de uma dinâmica que durou séculos (e que não se extinguiu completamente, é importante apontar). É mais velha e mais experiente, mas respeitosamente chama a jovem patroa de “dona” e “senhora”. É “quase da família”, mas seus patrões não sabem sequer o nome de sua filha e mal parecem escutá-la quando tenta discutir algo pessoal.

“A pessoa já nasce sabendo sua posição”, explica Val à filha em certo ponto. “Quando eles oferecem alguma coisa deles, é por educação; eles sabem que vamos dizer ‘não’”, ela ensina sem qualquer traço de ressentimento. 

Enfim, o reconhecimento de que só não haverá luta de classes quando finalmente percebermos que dividir a humanidade por status econômico é algo que já deveria pertencer somente à História.



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