Ritmo frenético e forte diálogo com os universos esportivo e
político. Assim se apresenta a revigorante terceira temporada de Club de
Cuervos, série original Netflix que é um fenômeno no México. Com um pano de
fundo que transita entre os interesses econômicos por trás das grandes ligas
futebolísticas, a produção enfim deslancha para pautas mais sérias sem excluir
o humor característico, o que a estabelece como uma das poucas que soube
tratar de histórias relacionadas ao futebol com tamanho charme.
Após herdarem o Cuervos Futebol Clube do aristocrático
Salvador Iglesias, Salvador "Chava" Iglesias Jr. e Isabel Iglesias
alternaram a presidência da instituição esportiva que é um orgulho para pequena
e fictícia cidade de Nuevo Toledo. Nesta temporada, enfim, a dupla compacta
seus egos intempestivos e começa a se preocupar com o futuro do império que foi
posto em risco. Os obstáculos surgem a partir da eminente falta de crédito,
popular e financeira, que o clube acumulou depois de investir em jogadores
baladeiros, pagar altas multas rescisórias de dirigentes e esgotar suas linhas
de empréstimo com o governo. Tais problemas, que traçam um interessante
paralelo com a realidade dos reais grandes clubes de futebol, forçam o time a
deixar seu estádio em Nuevo Toledo.
Chava Iglesias dá início a trama desse argumento lançando uma trapalhada candidatura a Governador do Distrito. Se vencer, promoverá amplo apoio ao seu time e voltará a disputar partidas na sua cidade, já que os Cuervos agora estão alocados na charmosa Puebla, privados de sediar qualquer evento em seu estádio, que agora está em posse dos Tarântulas FC. Entre personagens que surgem, a narrativa ganha com o acréscimo de novas histórias, como os agora constantes flashbacks que apresentam ao espectador a história de Salvador Iglesias nos anos 1970. Esses novos arranjos de pequenos capítulos farão oposição aos fatos que se mostram no futuro.
Apesar de pecar na falta de respeito a temporalidade dos
fatos, algo típico na teledramaturgia por exemplo, saltando dias, às vezes
meses, a história ainda prende por suas personalidades envolventes. Quase todos
os jogadores, dirigentes ou jornalistas, fazem lembrar facetas recorrentes do
imaginário popular. O que evidentemente nos causa empatia com as subtramas que
envolvem estereótipos de atletas fúteis, os desamores de Isabel, ou o vício
virtual do novo affair de Chava, Isabel Cantú, não por acaso xará de sua
"hermanita".
Mais do que parodiar o sistema político das confederações
esportivas cada vez mais corrompidas, vide escândalos reais das Olimpíadas do
Rio 2016 e os corriqueiros da CBF, Club de Cuervos se compromete a sinalizar
possíveis brechas para uma resolução dessas adversidades. Uma das aventuras
dessa temporada aborda a não existência de um sindicato de jogadores mexicanos,
que cada vez tem menos espaço nos plantéis titulares e dão lugar a jogadores
europeus de salários astronômicos. Fato que começa com cômicos protestos dos
lesados e por fim leva Cuau, atleta dos Cuervos, a também postular um cargo
como Governador, o que complica cada vez mais os objetivos dos irmãos
Iglesias.
Não é necessário entender as regras ou como funciona de
forma extra-campo o esporte mais praticado no mundo para gostar de Club de
Cuervos. Figuras como Hugo Sanchez, secretário pessoal de Chava que se descobre
homossexual durante a trama, Isabel Cantú, mimada e rica moça que que apenas se
importa com seus seguidores no Instagram, ou até o próprio Chava, que apenas
quer ser reconhecido como um jovem e bem-sucedido empresário, nada tem a ver
com esse bate-bola inventado por ingleses e fortemente triunfado por
brasileiros. Estes, e tantos outros, são representados como meros reféns de uma
atividade lúdica que movimenta milhões de dólares e transforma o povo em massa
de manobra. A genialidade de Club de Cuervos é abordar de maneira
contemporânea, e bem-humorada, um fenômeno histórico: a manipulação das classes
por meio de suas maiores paixões.
NOTA: 9/10