terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Club de Cuervos :: Temporada 03

por Victor Hugo Furtado

Ritmo frenético e forte diálogo com os universos esportivo e político. Assim se apresenta a revigorante terceira temporada de Club de Cuervos, série original Netflix que é um fenômeno no México. Com um pano de fundo que transita entre os interesses econômicos por trás das grandes ligas futebolísticas, a produção enfim deslancha para pautas mais sérias sem excluir o humor característico, o que a estabelece como uma das poucas que soube tratar de histórias relacionadas ao futebol com tamanho charme.

Após herdarem o Cuervos Futebol Clube do aristocrático Salvador Iglesias, Salvador "Chava" Iglesias Jr. e Isabel Iglesias alternaram a presidência da instituição esportiva que é um orgulho para pequena e fictícia cidade de Nuevo Toledo. Nesta temporada, enfim, a dupla compacta seus egos intempestivos e começa a se preocupar com o futuro do império que foi posto em risco. Os obstáculos surgem a partir da eminente falta de crédito, popular e financeira, que o clube acumulou depois de investir em jogadores baladeiros, pagar altas multas rescisórias de dirigentes e esgotar suas linhas de empréstimo com o governo. Tais problemas, que traçam um interessante paralelo com a realidade dos reais grandes clubes de futebol, forçam o time a deixar seu estádio em Nuevo Toledo.


Chava Iglesias dá início a trama desse argumento lançando uma trapalhada candidatura a Governador do Distrito. Se vencer, promoverá amplo apoio ao seu time e voltará a disputar partidas na sua cidade, já que os Cuervos agora estão alocados na charmosa Puebla, privados de sediar qualquer evento em seu estádio, que agora está em posse dos Tarântulas FC. Entre personagens que surgem, a narrativa ganha com o acréscimo de novas histórias, como os agora constantes flashbacks que apresentam ao espectador a história de Salvador Iglesias nos anos 1970. Esses novos arranjos de pequenos capítulos farão oposição aos fatos que se mostram no futuro.

Apesar de pecar na falta de respeito a temporalidade dos fatos, algo típico na teledramaturgia por exemplo, saltando dias, às vezes meses, a história ainda prende por suas personalidades envolventes. Quase todos os jogadores, dirigentes ou jornalistas, fazem lembrar facetas recorrentes do imaginário popular. O que evidentemente nos causa empatia com as subtramas que envolvem estereótipos de atletas fúteis, os desamores de Isabel, ou o vício virtual do novo affair de Chava, Isabel Cantú, não por acaso xará de sua "hermanita". 


Mais do que parodiar o sistema político das confederações esportivas cada vez mais corrompidas, vide escândalos reais das Olimpíadas do Rio 2016 e os corriqueiros da CBF, Club de Cuervos se compromete a sinalizar possíveis brechas para uma resolução dessas adversidades. Uma das aventuras dessa temporada aborda a não existência de um sindicato de jogadores mexicanos, que cada vez tem menos espaço nos plantéis titulares e dão lugar a jogadores europeus de salários astronômicos. Fato que começa com cômicos protestos dos lesados e por fim leva Cuau, atleta dos Cuervos, a também postular um cargo como Governador, o que complica cada vez mais os objetivos dos irmãos Iglesias. 

Não é necessário entender as regras ou como funciona de forma extra-campo o esporte mais praticado no mundo para gostar de Club de Cuervos. Figuras como Hugo Sanchez, secretário pessoal de Chava que se descobre homossexual durante a trama, Isabel Cantú, mimada e rica moça que que apenas se importa com seus seguidores no Instagram, ou até o próprio Chava, que apenas quer ser reconhecido como um jovem e bem-sucedido empresário, nada tem a ver com esse bate-bola inventado por ingleses e fortemente triunfado por brasileiros. Estes, e tantos outros, são representados como meros reféns de uma atividade lúdica que movimenta milhões de dólares e transforma o povo em massa de manobra. A genialidade de Club de Cuervos é abordar de maneira contemporânea, e bem-humorada, um fenômeno histórico: a manipulação das classes por meio de suas maiores paixões. 

NOTA: 9/10